A doutora formada pelo Programa de Pós-Graduação em Geologia (PPGGeol) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Fernanda Borato Xavier elaborou o primeiro inventário do patrimônio geológico do estado. O trabalho foi realizado em conjunto com o orientador, professor Luiz Alberto Fernandes, e docentes coorientadores, referências internacionais na temática.
Na visão de Luiz Alberto, a tese é de extrema relevância para a geologia pelo pioneirismo no Brasil e na América Latina. O orientador avalia que o estudo mostra-se expressivo pela metodologia utilizada. “Essa pesquisa é o primeiro levantamento feito com controle científico, sistemático, com regras bem definidas, dos melhores locais que documentam o passado geológico do Paraná”.
Na foto, a pesquisadora Fernanda Borato Xavier (à esq.), o coordenador Luiz Alberto Fernandes e a bolsista Kimberlym Vieira durante visita de campo para produção do inventário. Fotos: Fernanda Borato Xavier
Outro fator de destaque, pontua Luiz, é que a maioria dos métodos usados para avaliar quantitativamente o patrimônio geológico são europeus e não se adaptam exatamente à realidade sociocultural brasileira. O artigo produzido, que explica o método utilizado no inventário, foi publicado na Geoheritage, revista internacional considerada, por especialistas, a mais renomada publicação sobre geoconservação do planeta.
José Brilha, professor no Departamento de Ciências da Terra da Universidade do Minho em Portugal, e Enrique Díaz Martínez, pesquisador do Instituto Geológico y Minero de España (IGME), foram coorientadores da pesquisa.
A pesquisa desenvolvida no Paraná é a segunda iniciativa brasileira a documentar o patrimônio geológico em nível estadual. São Paulo também possui seu inventário, elaborado por pesquisadores do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Patrimônio Geológico e Geoturismo (GeoHereditas) da Universidade de São Paulo (USP), que resultou em um mapa interativo geológico.
Etapas da produção do inventário
Para Fernanda, o principal desafio para a elaboração do inventário foi a pandemia de Covid-19. Diante da dificuldade de ir a campo durante o período, pesquisadores que trabalham na região ofereceram ajuda – o que permitiu a finalização dos levantamentos. “Praticamente metade da pesquisa foi desenvolvida durante a pandemia. Isso impossibilitou a realização de alguns trabalhos presenciais. Os pesquisadores que desenvolvem pesquisas nesses locais deram um grande apoio”, afirma.
Analisar a geologia paranaense para dividi-la em diferentes partes, por tipos e idades das rochas, que foram separadas nas chamadas “categorias geológicas”. Esse foi o primeiro passo da investigação. Em seguida, criou-se um banco de dados de lugares de possível interesse geológico. Os geossítios possuem alto valor científico e representam cada classe definida no estudo.
Embasamento Metamórfico, Rochas Graníticas, Bacias Tardi-Orogênicas, Bacia do Paraná, Província Ígnea do Paraná, Rochas Alcalinas, Bacia Bauru e Sedimentos Cenozoicos são as categorias nas quais a geologia do estado foi classificada no levantamento.
Para obter as informações para o inventário, foram consultados documentos de roteiros geológicos de congressos científicos e de aulas de campo, revistas científicas, teses, além de professores e pesquisadores. Também foi feita a adaptação do método para avaliação quantitativa, por pontuação dos geossítios, informa Fernanda.
Após o listagem dos geossítios potenciais, foram entrevistados cerca de 30 especialistas de todo o Brasil, que atuam na Universidade Federal do Paraná (UFPR); na Universidade Federal do Ponta Grossa (UEPG); na Universidade Estadual de Maringá (UEM); na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste); na Universidade de São Paulo (USP); na Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) do Serviço Geológico do Brasil; no Instituto Água e Terra (IAT); na Petróleo Brasileiro S.A (Petrobras); na Agência Nacional de Mineração (ANM); e no Museu de Paleontologia de Cruzeiro do Oeste.
A pesquisadora solicitou aos profissionais que escolhessem, em cada categoria geológica, os geossítios que fossem raros, que possuíssem artigos em revistas científicas e que estivessem preservados. Após a seleção, os locais foram visitados para avaliação (quantificação) individual. Durante essa fase da pesquisa, detalha Fernanda, constatou-se que alguns lugares de estudo extremamente importantes, descobertos há décadas, não existiam mais.
Ao término do processo de avaliação, houve a compilação e a elaboração da lista final de geossítios que compõem o inventário de patrimônio geológico do Paraná. A geóloga detalha que, ao todo, existem 76 locais que documentam, por meio de sua geografia e de suas estruturas, transformações atuais e antigas que ocorreram na Terra. E que “contam” os 2,5 bilhões de anos de história geológica do estado.
Preservar é o caminho
Segundo a autora da tese defendida no dia 11 de abril na UFPR, a variedade e a riqueza do patrimônio geológico do Paraná são tão vastas que existem rochas formadas há cerca de 2,5 bilhões de anos – e sedimentos mais recentes que se desenvolveram há menos de 1 milhão de anos. Fósseis de animais extintos no planeta e de espécies raras foram encontrados nesses espaços. “Há fósseis de trilobitas [espécies de artrópodes marinhos que existiram entre 542 a 251 milhões de anos atrás], baratas do mar e até de pterossauros, um dos maiores répteis voadores que já viveu na Terra”, revela.
A pesquisadora destaca a importância de preservar a integridade dos geossítios para auxiliar a ciência e permitir que gerações futuras possam conhecê-los. “Toda a forma de vandalismo e a ocupação sem respeito afetam, muitas vezes irremediavelmente, locais importantes para o desenvolvimento da ciência, da educação e do turismo. Além disso, essas atitudes acabam prejudicando o desenvolvimento e o conhecimento das ciências geológicas”.
Os elementos que constituem a geodiversidade (rochas, formas de relevo, minerais) não são renováveis, na escala de tempo humana. Não são indestrutíveis e eternos, alerta o orientador do trabalho, que considera que a preservação do patrimônio pode ser a parte mais importante para que pesquisas como essa continuem a ocorrer. “No inventário, houve o cuidado de registrar o uso educativo e turístico dos locais, além do estritamente científico. Há muitos identificados como de interesse geológico, sem qualquer medida de conservação”.
Luiz ressalta que a realização do levantamento facilitará o trabalho dos gestores na hora de planejar o uso das regiões inventariadas. “Agora temos um conjunto de locais selecionados para conservar. Os gestores públicos deverão levar isso em conta no planejamento de uso do território, e promover a proteção, o seu uso sustentável”, conclui.
A tese de Fernanda, com os resultados do inventário, pode ser acessada aqui.
Fonte: https://www.ufpr.br